Escritora e artista plástica

Jennifer Perroni

Escritora e artista plástica

Jennifer Perroni

Procuro-me viva ou morta!

Atenção: procuro-me! Qualquer informação a meu respeito será devidamente recompensada!

Fosse eu rica provavelmente seria o tipo de gente considerada excêntrica. Pensar assim traz certo contentamento. Como se uma prerrogativa me acompanhasse: “Por favor, perdoe-me, sou excêntrica”.

Mas como não sou rica, pelo menos não do tipo de riqueza que impressiona a maioria das pessoas do mundo, tenho que me contentar em ser apenas estranha mesmo. Não me importo. Ainda assim é algo que tomo como meu e que garante minhas peculiaridades ou, de forma mais popular, minhas estranhices.

Uma dessas manias estranhas é a de pintar a mim mesma.

Começou como uma forma de autoconhecimento. Eu não me sabia. Resolvi então fazer um retrato (ou um cartaz de “procurada”?) e colar nos muros da cidade. Estava me buscando desesperadamente e qualquer informação poderia ser útil.

A primeira pintura foi um excesso.

Eu, que nunca gostei muito de espelhos, coloquei um em minha frente e me desenhei por dias. Sentava em frente a quem quer que me encarasse de volta através do vidro.

O resultado desses dias é um acúmulo de excessos. Formas desprovidas de contornos. Ranhuras. Eu partida em mil pedaços.

Quando terminei olhei para as imagens deformadas de mim mesma. Cada uma trazia uma história que eu jamais poderia contar. Enfiei todas no criado mudo e rezei para que ficassem ali para sempre. Aprisionadas.


Mas então, como viria a descobrir, surgiu uma necessidade de me saber mais. Não é possível que eu fosse apenas um excesso de deformidades. Talvez houvesse alguma outra face. Algum ângulo secreto que o ardiloso espelho guardou para si. Não quis revelar.

Busquei essas partes que sequer formavam uma pessoa. Inteira.

Talvez no pé que escolhe os rumos. Talvez nas costelas. Contadas uma a uma, como se me certificando que estavam todas lá. Talvez nem isso. Talvez ainda menos. Só o peito e aquilo que palpita dentro dele. Coração? Não sei.

Precisava saber-me mais. Ainda era pouco.

Em qual dessas partes o que sou habita

Comecei então a me fotografar.

Talvez a câmera fosse mais reveladora que o espelho. E assim, a cada foto um desenho. Cada desenho um espanto.

Mulher dentro de caixa… Pastel seco… Não me adaptei bem a técnica. Rígida demais depois de tanto tempo com aquarela…

Sou eu agora? Nenhuma outra?

Que outras faces? Que outros monstros?

Aquela luz… De onde vem? Aquela dor em que forma cabe? Aquele seio que história conta? É meu? Não, não, foi herdado!

De tanto me desenhar acabei fazendo uma coleção de mim. Inúmeras partes as quais atribuo status de persona.

A mão tem vontade própria. O cabelo personalidade. Os sentimentos todos escondidos no céu de minha boca. Espremidos. Mordiscados.

Um dia fui ferida. Fatalmente. E lá novamente outro retrato.

– Parece você! – exclamam os desavisados de minhas excentricidades (ou esquisitices?)

E agora com todas as imagens (já perdi a conta do número de retratos que de mim eu fiz) chego a triste realização de que não me sei mais do que sabia antes.

Pois estranhamente até quando não me desenho sou eu quem aparece retratada, seja lá forma que o corpo assuma

Por isso posso dizer que continuo como uma estranha a habitar minha pele. Mas ao desenhar minhas formas acabei encontrando as fronteiras nas quais resido. Limites do território em que a alma pousa.

E de alguma forma saber disso basta. Por hora.

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Jennifer Perroni

Escritora, artista plástica, mãe. Não necessariamente nessa ordem.

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